JEITINHO BRASILEIRO

Num pitoresco livrinho sobre o Brasil ⁽¹⁾ o autor introduz o assunto com um jeitinho bem brasileiro.

Vinha ele passar uma temporada em nossa pátria – acabou ficando… – e, para tal dirigiu-se à representação diplomática brasileira em sua pátria, a fim de obter visto para a estadia. Na hora de preencher as formalidades, faltava um documento. A funcionária – brasileira… – resolveu o problema:

— Vamos dar um jeitinho…

No interessante livro, o autor diz que nesse momento encontrou a palavra-chave para entender o Brasil: “jeitinho”.

* * *

Da pena de um sacerdote, Arauto do Evangelho da longínqua Eslovênia, transcrevemos a seguir suas observações sobre o “jeitinho”.

A ARTE DE TORNAR POSSÍVEL O IMPOSSÍVEL

Pe. Antonio Jakoš Ilija, EP

Frequentemente nos deparamos, ao longo da vida, com a necessidade de resolver problemas complicados e imprevistos. E o meio de fazê-lo costuma ser personalíssimo, como é também, muitas vezes, a situação a enfrentar.

É quase infinita a variedade de soluções que cada indivíduo encontra para tais problemas, mas poderíamos classificá-las em função dos temperamentos nacionais. Assim, certos povos orientais, como os chineses e japoneses, terão um modo próprio de resolvê-los, geralmente de forma paciente e silenciosa. Um etíope ou um egípcio recorrerão a meios mais teatrais para atingir seu objetivo. E assim por diante, poderíamos mencionar saídas à la francesa, inglesa, italiana,portuguesa ou espanhola.

No Brasil, as situações difíceis solucionam-se “dando um jeito”, ou melhor, “um jeitinho”. O uso do diminutivo tem aqui sua importância, pois reflete a impostação afetuosa com que a pessoa põe em prática a solução.

EM QUE CONSISTE O JEITINHO?

Mas em que consiste exatamente o jeitinho? O jornal francês Le Monde aventurou-se a dar-lhe esta definição: “Uma hábil solução, frequentemente de última hora, que nãoacalma forçosamente os nervos, mas torna retrospectivamente sem motivo a angústia dos neófitos”. ⁽²⁾

Breve e precisa como costumam ser as formulações francesas, esta definição reflete, entretanto, apenas uma parte da realidade. Ela analisa o jeitinho sob o prisma de alguém capaz de perceber seus efeitos, não, porém, sua essência. Descreve-o como uma solução hábil que resolve de modo profundo o problema, aponto de tornar inexplicável, a posteriori, a angústia sentida enquanto ele existia.

O jeitinho de tal forma faz parte da personalidade brasileira que as escolas empresariais internacionais o tomam em consideração em seus cursos. Isto não significa, entretanto, que consigam defini-lo com precisão.

Para os alemães — que tratam de traduzir esse substantivo pela expressão einkleiner Dreh (pequeno giro) —, o conceito mostra-se desconcertante. É muito conhecida a preferência dos povos nórdicos pela coisa planejada, previsível e bem regulada. Não descartam a intuição e as soluções improvisadas,mas procuram evitá-las ao máximo. Sem dúvida, a alma alemã prefere prever os imprevistos.

Os anglo-saxões o equiparam aum little trick (pequeno truque) ou um clever dodge (drible inteligente), demonstrando que também para eles é difícil entendê-lo.

Quiçá a Santíssima Virgem poderia ser invocada como Padroeira do Jeitinho Brasileiro

Há quem tenha querido atribuir–lhe um significado equivalente ao da ventajita argentina ou do chanchullo espanhol. Um guia para investidores italianos o compara com a soluzione alla napoletana, ⁽³⁾ advertindo que “nem sempre funciona com os estrangeiros”. Entretanto, até a sonoridade das diversas expressões realça como é longínquo o parentesco entre estes conceitos.

Em que consiste, então, o verdadeiro jeitinho? Quais são seus elementos constitutivos?

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO JEITINHO

Uma primeira característica é a intuição, entendida como uma forma rápida de raciocínio que permite analisar num instante situações muito complexas.

Por outra parte, o verdadeiro jeitinho tem sempre um caráter conciliador.Devido à sua herança portuguesa, enriquecida por algumas notas indígenas e africanas, o brasileiro é uma pessoa cordial, e essa sua forma de ser dá o peculiar e inigualável tônus ao jeitinho que alguns qualificam de brasileiro, o que — diga-se de passagem — constitui uma redundância.

Nele encontramos também uma extraordinária flexibilidade e capacidade de improvisação que, unidas a uma grande inteligência natural, permitem contornar as normas sem transgredi-las, quando sua vigência claudica diante do fato imprevisível. Chega então o momento do jeitinho,que torna possível o impossível.

O jeitinho, em suma, é imaginativo, inteligente e pacífico. Jamais assume ares autoritários ou arrogantes, e — como a cereja sobre o chantilly — deve concluir–se preferencialmente comum sorriso.

UM EXEMPLO PARADIGMÁTICO

A afabilidade do brasileiro leva-o a ter especial devoção pelos aspectos compassivos de Nosso Senhor, e é isto que faz deste povo um exemplo de bondade, e de uma bondade conciliadora.

Nossa Senhora da Conceição da Praia – Salvador
Sua expressão fisionômica é tida como o arquétipo da alma brasileira

Alguns sociólogos definem o brasileiro como “cordial”, e esta é, sem dúvida, uma de suas principais características.Este adjetivo,inclusive do ponto de vista etimológico, aponta mais para a emoção que para a razão; mas esta emoção, uma vez batizada, transforma-se em bondade. Por ação da graça, a mera inclinação natural passa a ser uma virtude cristã.

Assim, a quintessência do jeitinho, depurado de qualquer acepção que não seja a mais elevada, pode ser ilustrada com um fato histórico acontecido 1.500 anos antes de Pedro Álvares Cabral desembarcar no litoral da Bahia. Ocorreu na Palestina e teve por protagonista a Virgem Maria.

Com efeito, ao obter de seu Divino Filho a transformação da água em vinho, nas Bodas de Caná, Nossa Senhora deu um jeitinho sublime ao qual não faltam os elementos constitutivos aqui enunciados.

Sem infringir lei alguma, Ela conciliou duas situações aparentemente insolúveis: o constrangimento do anfitrião pela falta de vinho e a inoportunidade do momento para Jesus fazer um milagre: “Minha hora ainda não chegou” (Jo 2, 4).

A intuição A fez compreender num relance a desagradável situação em que logo se encontrariam os nubentes, vendo acabar-se o vinho em plena festa. Sua bondade— sua sublime cordialidade, poderíamos dizer — levou-A a compadecer-Se deles pela aflição que sentiriam quando isso ocorresse; e encontrou uma forma de “transgredir”os desígnios divinos, apelando para sua maternidade. Compelido, por assim dizer, pelo pedido de sua Mãe Amantíssima, Jesus antecipou o momento de seu primeiro milagre público, dando lugar a uma das mais famosas e magníficas passagens do Evangelho.

Considerado sob esta perspectiva, o jeitinho é muito mais do que uma invejável habilidade do espírito. Trata-se de um estilo de praticara virtude da bondade na vida cotidiana, de uma forma raramente encontrada nos manuais de piedade e nas histórias dos santos.

Quiçá, poderia a Santíssima Virgem, que nos deu um tão sublime exemplo de jeitinho, ser invocada como Padroeira do Jeitinho Brasileiro. E quem sabe se a Providência não teria dado a essa grande nação a vocação de representar a bondade de Nossa Senhora de forma tão eminente que, para defini-la por inteiro, precisaria paradoxalmente usar um diminutivo: o jeitinho?

.

⁽¹⁾ Peter Kellemen, Brasil para principiantes, Ed. Civilização Brasileira, Rio, 1969.

⁽²⁾ DENIS, Hautin Guiraut.La conference de Rio surl’environnement. Un retourau passé… In: Le Monde. Paris:3 jun. 1992.

⁽³⁾ CAPORASO, Giovanni.Guida per investire in Brasile— 2007. Panama city: Expats E-books, 2006, p.88.

(Publicado originalmente na revista Arautos do Evangelho, nº 135, de março de 2013, p. 34-35. Para acessar o exemplar do corrente mês clique aqui )

Ilustrações: Arautos do Evangelho, Gustavo Krajl, wiki

2 thoughts on “JEITINHO BRASILEIRO

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *