Nunca houve tantas associações filantrópicas como em nossos dias, mas também nunca foi mais profunda entre os homens a sensação de penúria e abandono. Quais as causas das novas formas de pobreza que assolam o mundo contemporâneo?
Ou ainda: Haverá modos bons de ser rico ou maus de ser pobre? A riqueza é, necessariamente, algo mau e a pobreza algo bom?
“BEM-AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO”
Ir. Maria Carolina Vindas Morales, EP
A Bem-aventurança escolhida por Nosso Senhor para encabeçar a sequência das regras morais que devem reger a vida do cristão a fim de levá-lo à santidade constitui a solução para nosso problema: “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5, 3).
Pobreza… Quão pouco compreendida é esta virtude! Por que Jesus fez questão de dizer aqui “pobres de espírito”? Refere-se Ele à mera pobreza material? Ao comentar esta passagem, São Leão Magno ressalta que o Divino Mestre teve o cuidado de acrescentar “pobres de espírito” para se entender a que classe de pobres Ele aludia. Senão “pareceria ser suficiente para alcançar o Reino dos Céus apenas a indigência que muitos padecem, com grave e dura necessidade. No entanto, ao dizer ‘Bem-aventurados os pobres de espírito’, mostra que o Reino dos Céus será dado àqueles a quem recomenda mais a humildade de alma do que a escassez de fortuna”. (1)
O Papa Bento XVI também explica que esta pobreza de que fala o Senhor “ não é um fenômeno simplesmente material. A simples pobreza material não redime, ainda que certamente os preteridos deste mundo possam contar, de um modo muito especial, com a bondade de Deus. Mas o coração daqueles que nada possuem pode estar endurecido, envenenado, ser mau – interiormente cheio de cobiça pela posse das coisas, esquecendo-se de Deus e cobiçando as propriedades externas”. (2)
Com efeito, uma pessoa pode possuir muitos bens e os administrar em função da caridade, com inteira submissão à vontade de Deus, isto é, com total desapego. Este é um pobre de espírito consiste, pois, “na compenetração da nossa total dependência de Deus, a quem tudo devemos, e na certeza de ser a nossa existência um mero caminho para chegar até o Céu”. (3)
MÁ RIQUEZA E MÁ POBREZA
Em nossos dias, infelizmente, a ideia que se tem de pobreza é unilateral. Nunca houve tantas organizações e associações filantrópicas para remediar a situação de países chamados de “terceiro mundo” por sua carência de riquezas terrenas. Como também talvez nunca houve época em que se ambicionasse tanto as coisas tangíveis como hoje. Basta ver nossa sociedade globalizada, tecnológica, em que o que importa é ter, produzir ou fazer, dando-se casos de pessoas que usam aparelhos eletrônicos de última geração enquanto carecem de bens de primeira necessidade…
(Trecho do artigo “Pobres ricos, ricos pobres”, revista Arautos do Evangelho, nº 202, outubro de 2018, p. 20-21. Para acessar a revista Arautos do Evangelho do corrente mês clique aqui )
(1) SÃO LEÃO MAGNO. Sobre las Bienaventuranzas. Homilía 95, n.2. In: Homilías sobre el Año Litúrgico. Madrid: BAC, 1969, p.369.
(2) BENTO XVI. Jesus de Nazaré. Do Batismo no Jordão à Transfiguração. São Paulo: Planeta, 2007, p.81.
(3) CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Radical mudança de padrões no relacionamento divino e humano. In: O inédito sobre os Evangelhos. Libreria Editrice Vaticana, Lumen Sapientiæ, São Paulo, 2013, v.II, p.41.