Qual é o fundamento do imponderável tão sublime e difícil de explicitar que sentimos no Natal? Será apenas uma recordação do passado ou a força de uma simples tradição?
Ir. Clotilde Thaliane Neuburger, EP
Inocência… Esta suave e elevada palavra ressoa tantas vezes aos nossos ouvidos como o bimbalhar dos sinos de uma longínqua catedral que há muito conhecemos e cuja recordação remonta aos primeiros anos de nossa existência! Mas o que vem a ser propriamente a inocência?
Descartemos desde logo a definição superficial e corriqueira pela qual se equipara o inocente ao ingênuo ou tolo, como se de termos sinônimos se tratasse. Se assim fosse, Nosso Senhor Jesus Cristo não a teria exaltado com suas palavras: “Deixai vir a Mim os pequeninos e não os impeçais, porque o Reino de Deus é daqueles que se parecem com eles” (Lc 18, 16). De fato, a inocência conduz a alma infantil a ver tudo em proporções fabulosas, contribuindo para elevar o espírito, aguçar a perspicácia e estimular a imaginação. Mas a inocência não se restringe apenas a isso…
Para compreender bem o seu profundo significado, nada melhor do que analisarmos um pouco o ambiente do Natal. Verdes e elegantes pinheiros são engalanados com enfeites multicoloridos; luzes de diferentes cores adornam as fachadas das casas e monumentos públicos; saborosos pratos e guloseimas, presentes e inúmeras surpresas cercam esses dias de jubilosa expectativa.
Ao longo da História estes e aqueles povos foram haurindo a inocente atmosfera emanada da Gruta de Belém e desdobrando-a em manifestações diversas, de acordo com suas qualidades e luz primordial.(1) Assim, o rico acervo de iguarias, enfeites, luzes e tradições natalinas que hoje conhecemos, forma em nosso espírito um conjunto harmônico e coerente, que encanta pela riqueza e variedade de matizes.
Agora, qual é o fundamento deste imponderável comum tão sublime e difícil de explicitar? Será apenas uma recordação do passado ou a força de uma simples tradição?
A resposta a estas perguntas está na verdadeira inocência, que gera uma atração natural por tudo quanto é elevado e uma grande capacidade de discernir e amar, à primeira vista, o belo, o bom e o verdadeiro. É uma participação da alegria da criação pela vinda do Salvador ao mundo.
Como as crianças vivem no seu paraíso primaveril, tende-se a pensar que somente a elas é reservado possuir essa visão maravilhosa de todas as coisas; entretanto, a inocência deve abranger toda a vida do homem, desde os albores da infância até os umbrais da eternidade.
Segundo destacados tomistas, a verdade é aristocrática, pois pertence a poucos. Isto se aplica de algum modo à inocência e, por conseguinte, à atmosfera natalina, pois poucos são aqueles que, não tendo enodoado sua alma com os horrores do pecado mortal, mantêm uma visão cristalina partícipe da própria visão divina em relação às suas criaturas.
Assim, o termo inocente adquire o seu verdadeiro significado, de acordo com a tradição bimilenar da Santa Igreja: uma alma cândida, pura, sem mácula, que não manchou a sua túnica batismal.
(1) Assim Plinio Corrêa de Oliveira chamava o conjunto de apetências particularíssimas, fruto conjugado da graça e da natureza, que conduzem cada pessoa ou conjunto de pessoas a refletir de forma única as infinitas perfeições de Deus.
(Originalmente publicado na revista Arautos do Evangelho, nº 192, dezembro de 2017, p. 50 Para acessar a revista Arautos do Evangelho do corrente mês clique aqui )
Ilustrações:Arautos do Evangelho, Gustavo Krajl, João Paulo Rodrigues
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