Carta à Santíssima Virgem

Tiritando de frio e faminto, Jean andava aflito pela Paris que acabava de sair da Segunda Guerra Mundial. Com 6 anos de idade, não tinha a quem recorrer: em sua inocência, desejava escrever uma carta a Nossa Senhora, mas não sabia ler nem escrever.

Afinal encontrou em uma esquina um velho ex-combatente, sentado junto a uma pequena mesa, fumando seu cachimbo. Era um escrivão público.

Bom dia, senhor, pode fazer-me o favor de escrever uma carta?

Pois não, menino, eu cobro 55 centavos, e o pagamento é à vista…

Então me desculpe. —E virando as costas, ia seguir adiante. O antigo soldado, admirando tanta modéstia, perguntou:

Você é filho de militar, seu mosquito?

Meu pai morreu na guerra. E minha mãe ficou sozinha em casa.

Nem você nem sua mãe têm 55 centavos? Ora, acho que você quer enviar uma carta para ver se lhe arranjam algo para comer, não é? Está bem, venha aqui, se eu escrever para você de graça e gastar uma folha de papel, não vou ficar mais pobre.

O velho, com uma bonita letra de tabelião, começou a escrever:

Paris, 17 de janeiro de 1946”. Na linha seguinte: “Ilmo. Sr…”

Como se chama o senhor a quem você quer enviar a carta?

Jean respondeu:

Não é um senhor… é… quer dizer…

O escrivão contrariado replicou:

Essa é boa! Pois você não sabe a quem escrever?

Então, o menino, criando coragem disse:

É a Nossa Senhora…

O velho franziu as sobrancelhas e disse num tom áspero:

Garoto, você está zombando de um velho soldado? Você é um piolho e quer me dar uma lição? Fora daqui!

Jean obedeceu tão mansamente, e com tanta calma virou-se para ir embora, que o velho mudou de opinião pela segunda vez e exclamou:

                Paris após II Guerra

Nossa Senhora! Quanta miséria há nesta cidade de Paris!…

E acrescentou logo depois:

Qual é seu nome, menino?

Jean.

Mas, Jean de quê?

Jean de nada. O velho encolheu os ombros e continuou:

Bem, que quer mesmo dizer à Santíssima Virgem?

Quero dizer-lhe que minha querida mamãe está dormindo desde ontem às 4 horas da tarde, e que me faça o favor de acordá-la, porque eu não consigo…

O velho soldado, com os olhos banhados em lágrimas, sentindo comprimir-lhe o coração, receou ter compreendido. E perguntou ainda mais uma vez:

Por que falava em comer há pouco?

A criança respondeu:

Porque preciso… tenho fome… mamãe deu-me o último pedaço de pão antes de adormecer… Há dois dias que ela dizia não sentir mais fome.

Então o escrivão continuou:

Mas o que você fez para acordá-la?…

Beijei-a!

E não notou nada?

Sim, ele estava fria… Faz muito frio, lá em casa…

E ela tremia… não é?

                            O pequeno Jean

Não, senhor! As mãos estavam cruzadas sobre o peito e tão brancas que o senhor não imagina… A cabeça, toda deitada para trás, fora do travesseiro, com os olhos meio fechados, parecia estar olhando para o céu.

O velho resmungou:

Até já invejei os ricos, mas eu tenho o que comer e beber, no entanto, esta criatura morreu de fome. E abraçou a criança dizendo:

A sua carta, meu filho, já está escrita, despachada e recebida; vamos à tua casa.

Mas o senhor está chorando? Perguntou o pequeno admirado.

Não é nada, meu querido… é porque gosto de você… não sei por quê… e faz apenas quinze minutos que o conheço… Olha aqui, eu também tive mãe… Às vezes, parece-me vê-la ainda deitada na cama, e ouvi-la dizer, quando eu ia sair da casa paterna: “Meu filho, seja honrado e bom cristão!” A imagem de Maria, que ali estava presente, parecia sorrir-me. Sabe, eu amava muito a Virgem Santíssima, quando eu era menino… Quanto a ser honrado, tenho-o sido… Bom cristão… bem…

Fique contente minha mãe! Eu também quero ir para o lugar onde a senhora está! E vou levar comigo o pequeno, este pobre anjo, que nunca mais abandonarei, porque a sua estranha carta, que nem sequer cheguei a escrever, teve um duplo efeito: deu um pai para ele e um coração para mim!

Nossa Senhora é assim, uma mãe incomparável, que interpreta nossos desejos, sem se importar com o modo pelo qual nos dirigimos a Ela. Quer apenas que tenhamos n’Ela a confiança de uma criança em todos os momentos da vida.

Não compreenderão este conto as almas sem fé, escondidas na dúvida e na descrença, desprezando tudo quanto é espiritual. Entretanto, compreenderão, isto sim, as almas retas e cheias de fé, para as quais as verdades da Religião Católica são evidentes. Estes fiéis desejam apenas sentir-se mais filhos de uma Mãe que ama a cada um de nós com um amor maior do que aquele que todas as mães reunidas teriam por um só filho.

Em todas dificuldades, provações ou aflições, escrevamos nós também uma singela carta a Nossa Senhora…

Fonte: Maria ensinada à mocidade, Livraria Francisco Alves & Cia, Rio de Janeiro, p.75

Ilustrações: Arautos do Evangelho, photogram

3 thoughts on “Carta à Santíssima Virgem

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *