Sempre foi a lepra considerada um paradigma de infelicidade em razão de suas terríveis e dramáticas consequências físicas e sociais. Por isso, causaram profunda impressão as curas dessa doença feitas pelo Divino Mestre ao longo de sua pregação.
No entanto, a saúde devolvida a esses infelizes simbolizava uma cura ainda mais preciosa: a da alma. Sem dúvida, a sofreguidão dos leprosos à procura da saúde era superada pelo divino desejo de lhes propiciar a salvação eterna.
Na conhecida cura dos dez leprosos em que apenas um, o samaritano, retornou para agradecer a Jesus, o Divino Mestre indagou-lhe: “Onde estão os outros nove?” (Lc 17, 17). De fato, todos foram miraculados. Contudo, somente um deles alcançou a verdadeira saúde: vendo seu corpo limpo, voltou, transbordante de gratidão, aos pés da Fonte da Vida e, por isso, foi o único a ouvir a alentadora sentença: “Levanta-te e vai, tua fé te salvou” (Lc 17, 19).
Visitando um leprosário do século XX
Dois mil anos se passaram, e ainda hoje é possível encontrar atitudes de gratidão belas como essa, e até, por certos aspectos, mais impressionantes… Uma dupla de Arautos do Evangelho visitava, precisamente, um leprosário próximo a Belém do Pará.
Lá estavam os missionários acompanhando uma bela imagem de Nossa Senhora de Fátima, dispostos a semear nos corações desvalidos a mensagem de esperança legada por Cristo aos seus discípulos.
Percorreram as instalações do hospital tomados de notável sentimento de compaixão diante do atroz sofrimento daqueles homens transformados em chagas vivas. Jaziam ele sem seu leito de dor, exilados do convívio social naquela nova e pequena Molokai, e nossos missionários se sentiam outros Damião de Veuster.
Quando julgavam tudo ter visto, ainda lhes faltava a mais bela lição de conformidade com os misteriosos desígnios da Providência.
“Deus é muito bom!”
A enfermeira que os acompanhava fez questão de parar para explicar-lhes quem os aguardava no último quarto do corredor:
“Trata-se de um caso de lepra precoce. O enfermo que aqui se encontra teve de abandonar o seu pequeno mundo infantil quando mal começava a ter uso da razão, para se enclausurar nas paredes de um leprosário e ver o seu corpo desintegrar-se ao longo de quase setenta anos: já perdeu as pernas, faltam-lhe as mãos, quase não lhe resta nariz, não tem nenhum dente, ouve com dificuldade e mal enxerga”. Seria difícil acreditar na existência de um homem assim, caso ambos os religiosos não o tivessem visto.
“Adalúcio! Adalúcio! Nossa Senhora veio para visitá-lo!”, exclamou a enfermeira, falando ao ouvido do paciente, a fim de acordá-lo do seu adormecimento quase contínuo. O leproso entreabriu os olhos, deparando-se, em meio às brumas da semi-cegueira, com uma cena que se lhe afigurava como descida do Céu. Os dois missionários, então, lhe dirigiam palavras de consolo, quando foram interrompidos pela voz lenta e entrecortada de Adalúcio: “Deus é bom… Deus é bom… Deus é muito bom!”. Ficaram os arautos sem ter oque dizer diante dessa sublime reação.
Adalúcio faleceu algum tempo após essa visita, e tudo leva a crer que a alma deste pobre Lázaro do Pará, que em vida suportou com resignação a tragédia, foi reunir-se no Céu com todos os Bem-aventurados e receberá de volta o corpo, não mais macerado e leproso, mas íntegro e luminoso, no derradeiro dia da ressurreição da carne.
Não terá sido sua atitude para com Deus, um desagravo pelos nove leprosos que, embora curados, não voltaram a agradecer ao Divino Mestre?
(Condensado e adaptado do artigo “O leproso agradecido” de autoria do Pe. Antônio Guerra de Oliveira Júnior, EP, na revista “Arautos do Evangelho”, nº164, de agosto de 2015, p. 24-25.)