POR QUE DEUS CRIOU AS DESIGUALDADES?

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Diante de uma árvore frondosa em plena florada – um lindo ipê dourado, por exemplo – à primeira vista, todas as flores parecem ser iguais. O mesmo se passa nas praias: os grãos de areia parecem ser todos idênticos. Porém, quando analisados mais detidamente, constatam-se diferenças e variedades surpreendentes: nenhuma flor é igual a outra da mesma árvore; nenhum grão de areia da praia é idêntico ao outro.

Pe. Aumir Antonio Scomparin, EP

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Curioso! Por que as coisas são variadas e diferentes? Por que Deus, ao criar, diversificou tanto, os gêneros e as espécies? Algumas coisas são nobres e tendem ao perfeito; outras modestas e até se diria… deficientes. Não teria sido mais simples criar todas as coisas iguais, sem variedades nem diferenças, e em grau máximo de perfeição?

O fundador dos Arautos do Evangelho, Mons. João Clá, explica: “No universo no qual vivemos, três criaturas são insuperáveis: a humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, unida hipostaticamente à divindade; a visão beatífica; e Nossa Senhora. Todos os outros seres, considerados individualmente, poderiam ser mais perfeitos. Ora, este mundo composto por criaturas com deficiências é, entretanto, ótimo no seu conjunto, como ensina S. Tomás de Aquino: ‘O universo não pode ser melhor do que é, se o supomos como constituído pelas coisas atuais, em razão da ordem muito apropriada atribuída às coisas por Deus e em que consiste o bem do universo. Se apenas uma dessas coisas se tornasse melhor, a proporção da ordem estaria destruída, como a melodia de uma cítara ficaria destruída se uma corda se tornasse mais tensa do que deve’” (I, q25, a6).

“O universo criado por Deus tinha de ser o que mais O glorificasse, porque Ele não poderia ter escolhido criá-lo de forma nem um pouco inferior ao mais adequado. E tudo quanto nele existe de defectivo serve para o homem ter presente a sua debilidade, fraqueza e dependência contínua de Deus. Lembra-lhe, enfim, sua contingência. É deste mundo, com deficiências, que nós fazemos parte.” ⁽¹⁾

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Deus criou todas as coisas do nada, por puro amor e bondade. A esse propósito, o mesmo S. Tomás de Aquino comenta: “Aberta a mão pela chave do amor, as criaturas surgiram.” E São Boaventura diz: “Deus criou todas as coisas não para aumentar a sua glória, mas para manifestá-la e para comunicar a sua glória”. E ensina o Concílio Vaticano I: “O mundo foi criado para a glória de Deus!” ⁽²⁾

No Catecismo da Igreja Católica encontramos que as criaturas são variadas e diferentes, a seu modo, para refletirem a sabedoria e bondade infinitas de Deus. O Livro da Sabedoria diz: “Dispuseste tudo com medida, número e peso” (Sb 11,20). Assim, essas “inúmeras diversidades e desigualdades significam que nenhuma criatura se basta a si mesma, que só existem em dependência recíproca, para se completarem mutuamente, a serviço umas das outras”, sendo imprescindível uma ordem e harmonia, como também, uma hierarquia de todas as criaturas que vai do menos perfeito ao mais perfeito. ⁽³⁾

De todas as criaturas visíveis, o homem é a obra-prima da Criação, só ele é ‘capaz de conhecer e amar seu Criador’ (GS 12,3). Só ele é chamado a compartilhar, pelo conhecimento e pelo amor, a vida de Deus. Foi para este fim que o homem foi criado, e aí reside a razão fundamental de sua dignidade. ⁽⁴⁾

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O Livro do Gênesis distingue nitidamente a criação do homem da criação das outras criaturas (Gn 1,26). Deus criou tudo para o homem, mas o homem foi criado para servir e amar a Deus e oferecer-lhe toda a criação. ⁽⁵⁾

Deus por desígnio de seu plano quer, portanto, que cada homem sirva, ame e ofereça seus dons ao próximo, ou seja, cada um receba do outro aquilo que necessita e aqueles que dispõem de dons específicos (‘talentos’) comuniquem seus benefícios aos que deles necessitam. Essas diferenças estimulam e muitas vezes obrigam as pessoas à magnanimidade, à benevolência e à partilha; (essas diferenças) motivam as culturas a se enriquecerem umas às outras. ⁽⁶⁾

Jesus, transbordando de afeto e caridade, dirige-se à Santa Catarina, em uma de suas aparições, dizendo: “Eu não dou todas as virtudes na mesma medida a cada um. (…) Existem virtudes que eu distribuo desta maneira, ora a um ora a outro. (…) Distribui muitas graças e virtudes, espirituais e temporais, com tal diversidade que a ninguém por si só concedi todo o necessário, para serdes obrigados a usar de caridade uns para com os outros. (…) Quis que todos tivessem necessidade uns dos outros e fossem meus ministros na distribuição das graças e liberalidades que de mim receberam”. ⁽⁷⁾

Sem dúvida a diversidade da Criação é para a glória de Deus. O homem O glorifica e corresponde ao seu fim último quando exerce a caridade, a amizade, ou seja, a solidariedade recíproca. Um exemplo insuperável! “Deus amou tanto o mundo, que deu seu Filho Unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).

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⁽¹⁾ – Mons. João Scognamiglio Clá Dias. Revista Arautos do Evangelho, n. 123, p. 11. Março de 2012

⁽²⁾ – Conf. CIC, 293.

⁽³⁾ Conf. CIC, 339 a 341.

⁽⁴⁾ – Conf. CIC, 356.

⁽⁵⁾ – Conf. CIC, 358.

⁽⁶⁾ – Conf. CIC, 1936-7.

⁽⁷⁾ – Santa Catarina de Sena, Diálogos. 7.

( Artigo publicado originalmente no Boletim Misericórdia do Fundo Misericórdia, dos Arautos do Evangelho, nº 6, maio 2012. P.3.)

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