SE PUDÉSSEMOS VER

É comum ouvirmos de cá e de lá a expressão “Se eu pudesse ver tal coisa”. Essa “tal coisa” varia quase ao infinito; dependendo dos horizontes mentais de cada um pode ir de conhecer desde uma ave rara, uma aurora boreal ou a catedral de Notre Dame.

Algo há, entretanto, que todos gostariam de conhecer: como era Jesus ensinando às multidões. Um elucidativo texto do Mons. João Clá, fundador dos Arautos do Evangelho, nos dá elementos para imaginarmos como seria Jesus. É o que passamos a transcrever.

COMO ENSINAVA JESUS (*)

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

Ao começar sua pregação, Jesus não Se apresentou como discípulo de nenhum rabino. Diante dos seus ouvintes aparecia como “o filho do carpinteiro” (Mt 13, 55). Entretanto, demonstrava conhecer as Letras Sagradas como ninguém e ensinava ex auctoritate propria [por sua própria autoridade] uma doutrina nova.

Diante dos desvios que imperavam na sociedade do tempo, alçava o estandarte da Verdade, cuja substância é Ele próprio, sabendo perfeitamente o que era necessário dizer ou fazer para atrair e elevar aquele povo. Estava ainda no início da vida pública, mas sua presença e sua palavra já contradiziam todos os padrões errados da época.

Sendo o Criador de todas as coisas, explica São Jerônimo, não atuava como mestre, mas sim como o Senhor. “Não falava apoiando-se numa autoridade superior, mas com a autoridade que Lhe era própria. Agia assim porque sua própria essência dizia o que antes havia afirmado por meio dos profetas. ‘Eu, que por meio deles falava, eis que estou aqui presente’”. ⁽¹⁾

Descabida seria a indagação sobre onde teria estudado a Sabedoria Eterna e Encarnada. Sendo a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, possuía desde toda a eternidade a ciência divina. Conhecia absolutamente tudo: tanto o universo dos seres criados — passados, presentes e futuros — como o mundo infinito das criaturas possíveis.

Além do mais, tendo sua alma sido criada na visão beatífica, beneficiava-se do conhecimento próprio aos Anjos e às almas bem-aventuradas, que contemplam a Deus face a face.

À ciência beatífica unia-se em Jesus a ciência infusa, privilégio concedido aos Anjos ao serem criados, a todas as almas que já abandonaram esta Terra, e, por um dom especial, a alguns eleitos ainda em vida, aos quais o Filho do Homem não podia ser inferior. Ela lhe dava um conhecimento riquíssimo, superior ao de qualquer outro homem, de todas as coisas criadas, das verdades naturais e dos mistérios da graça.

Por último, Jesus possuía também a ciência natural, adquirida progressivamente pela ação do entendimento agente no decorrer de sua vida terrena. E isto sem jamais necessitar de um mestre, pois esse gênero de ciência apenas Lhe servia para conferir as noções adquiridas através de seu intelecto natural com aquilo que, como Deus, conhecia desde toda a eternidade. ⁽²⁾

A mais bela e perfeita criatura

O Divino Mestre, afirma um autor do passado século, não era “um filósofo à maneira grega, nem sequer um rabino ao estilo hebreu. Ele dirige-Se diretamente às almas visando, mais do que convencê-las, conquistá-las e introduzi-las na corrente profunda e transbordante de sua vida religiosa”. ⁽³⁾

Por isso, além de seu ensinamento, a própria presença de Nosso Senhor despertava admiração. Sua fisionomia não podia ser mais perfeita. Cabelos, lábios, sobrancelhas e ouvidos eram de uma insuperável beleza. Seu olhar percorria os circunstantes de forma suave, tranquila, firme, penetrante e atraente, causando enlevo naqueles sobre os quais recaía. Uma voz magnífica, comunicativa, dotada de um timbre e uma inflexão inteiramente fora do comum acompanhava os movimentos das mãos, os quais, por sua vez, eram proporcionadíssimos, comedidos, perfeitos, sem exageros nem timidezes. E a postura dos ombros, o modo de sentar-Se ou de virar a cabeça, eram inimagináveis.

Procurando exprimir algo da formosura inefável de Jesus, Santo Agostinho proclama: “Ele é belo no Céu, belo na Terra; belo no seio materno, belo nos braços dos pais, belo nos milagres, belo sendo flagelado, belo convidando para a vida, belo quando não teme a morte; belo ao entregar a alma, belo quando a retoma; belo na Cruz, belo no sepulcro, belo no Céu. Ouvi este cântico com o entendimento, e a fraqueza da carne não afaste vossos olhos do esplendor daquela beleza”. ⁽⁴⁾

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⁽¹⁾ SÃO JERÔNIMO. Comentario al Evangelio de Marcos. Homilía 2. In: ODEN, Thomas C. y HALL, Christopher A. La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia – NuevoTestamento. Madrid: CiudadNueva, 2000, v.II, p.68.

⁽²⁾ Cf. ROYO MARÍN, OP, Antonio. Jesucristo y la vida cristiana. Madrid: BAC, 1961,p.104-124.

⁽³⁾ Cf. CASTRILLO AGUADO, Tomás. Jesucristo Salvador. Madrid: BAC, 1957, p.311.

⁽⁴⁾ SANTO AGOSTINHO. Enarratione in Psalmos. Ps. 44, c.3.

⁽*⁾ JOÃO SCOGNAMIGLIO CLÁ DIAS, EP. O inédito sobre os Evangelhos, Libreria Editrice Vaticana, 2014, Vol. IV. p. 48-51.

Ilustrações: Arautos do Evangelho, Sergio Holmann, Wiki

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