Franciscanos, beneditinos, dominicanos: por que tantas ordens religiosas têm o nome do fundador em seu próprio nome? A Igreja sempre ensinou que o fundador de uma família religiosa é o modelo posto por Deus para seus discípulos. As considerações a seguir, de autoria do Diácono Thiago de Oliveira Geraldo, arauto do Evangelho, mostram esse aspecto de paternidade dos fundadores. Podem ser muito úteis para compreendermos esse aspecto que deriva da própria paternidade de Deus em relação a nós seus filhos.
PAI POR VONTADE DO ESPÍRITO
Diac. Thiago de Olivera Geraldo
Especialmente tocante é a célebre carta escrita de próprio punho a Frei Leão por São Francisco de Assis: “Assim te digo, meu filho, como uma mãe, que tudo aquilo que falamos no caminho vou dispô-lo e resumi-lo agora brevemente nestas palavras. E se depois de as ler te parecer oportuno vir me pedir conselho, assim te aconselho: seja qual for o meio que aches melhor para agradar ao Senhor Deus, seguir suas pegadas e imitar sua pobreza, faze-o com a bênção do Senhor Deus e com minha obediência. E se necessário for para o bem de tua alma, para teu maior consolo, e for tua vontade, Leão, vir a mim, não deixes de fazê-lo”. (1)
Assim como São Francisco, também São Domingos – seu amigo e igualmente fundador – era considerado como pai e modelo a ser imitado por seus discípulos. Sobre ele escreveu o seu primeiro sucessor, o Bem-aventurado Jordão da Saxônia: “Sigamos, meus irmãos segundo nossas possibilidades, os traços de nosso Pai e, ao mesmo tempo, rendamos graças ao Redentor que deu a seus servidores, na via que eles trilham, um chefe desse valor e que, por ele, nos engendra de novo à luz de sua santa vida”. (2)
O CORAÇÃO PATERNAL DE DOM BOSCO
Exemplos tão comovedores de santo convívio entre fundador e discípulos não são privilégio da Idade Média. Em eras bem mais recentes, encontramos numerosos exemplos, como este do fundador dos salesianos, narrado por alguns dos seus filhos espirituais: “Dom Bosco era pai, enviado por um Deus que é justamente o Pai infinito, do qual toda a paternidade no Céu e na terra recebe o nome (cf. Ef 3, 15). A convicção de que era possuído até o fundo de seu ser, é que devia encarnar, aos olhos de seus meninos, o amor paternal d’Aquele que o enviara a eles. E nestes meninos que chegavam de toda parte, devia suscitar filhos, filhos que se apegariam a ele, mas que atrás dele mesmo deviam perceber a Fonte do seu amor, e aprender com naturalidade, amando-o, a se tornarem filhos de Deus Pai e a realizarem por este meio sua mais verdadeira vocação”. (3)
Devemos imaginar São João Bosco cercado por aqueles rapazes que viam nele uma imagem de Cristo, buscando a santidade na alegria de praticar a virtude. Não é possível cogitar que o Santo de Turim se entristecesse pela chegada de mais um filho espiritual ou por achar demasiado o trabalho que realizava. O coração de um fundador é feito para conter muitíssimos filhos espirituais, e seu amor não descansa enquanto não os vê a todos no reto caminho do Céu.
Por essa razão, tanto maior amor vai manifestando o fundador quanto mais filhos Deus lhe concede. Ao considerar uma ordem religiosa, não se deve pensar em organizações meramente humanas, estruturadas sobre vínculos jurídicos, mas sim em famílias de almas, nas quais todos são irmãos e irmãs, filhos e filhas de um mesmo pai ou mãe. “Minhas filhas, — dizia Santa Teresa com entranhada voz maternal às suas religiosas — meus filhos, podem dizer todos os fundadores a seus religiosos, aos quais dão o ser a cada dia”. (4)
MONTE SAGRADO NO QUAL SE MANIFESTA O ESPÍRITO
À semelhança do antigo povo de Israel, que tinha Moisés por profeta e contemplava no Monte Sinai a presença de Deus entre os homens, assim são os discípulos convidados a trilhar o caminho de perfeição aberto pelo respectivo fundador. “Cada ordem religiosa teve seu Sinai na pessoa do fundador e seu carisma recebido de Deus. Nesse Sinai o Espírito Santo escreveu os mandamentos de seu beneplácito para todos os chamados a fazerem a peregrinação rumo à Pátria Celestial seguindo o fundador. Afastar-se dessa via é condenar-se à esterilidade e à morte do espírito”. (5)
(1) SÃO FRANCISCO DE ASSIS.Carta a Frei Leão. In:http://www.franciscanos.org.
(2) BEATO JORDÃO DA SAXÔNIA, apud GILMONT, Jean-François. Paternité et médiation du fondateur d’ordre. In: Revue d’Ascétique et de Mystique. Toulouse. Vol. XL. N.160 (1964); p.397.
(3) AUBRY, SDB, Joseph; RONCO, SDB, Albino; BRAIDO, SDB, Pietro. O amor educativo. São Paulo: Dom Bosco, 1976, p.6.
(4) RIOL, CMF, Eladio. La caridad en la vida religiosa. In: Vida Religiosa. Madrid. Vol. IV. N.4 (1947); p.24.
(5) ALBA CERECEDA, SJ, José María. Un documento histórico del Papa. In: Ave María. Barcelona. N.486, (Fev., 1985).
(Trecho do artigo “Pai por vontade do Espírito”, de autoria do Diácono Thiago de Oliveira Geraldo, revista Arautos do Evangelho, nº 188, agosto de 2017, 16-21.
Ilustrações: Arautos do Evangelho, acnsf, Vitor Domingues,