— Veja que bonita essa ponta com uma bandeira! E essa janela!
Ouvia essas exclamações de um jovem primo, com seus 8 anos. Estava encantado com o que via. Às tantas, perguntou:
— O que faz aqui esse farol?… E ali essa ponta iluminada pelo sol?
Aproximei-me para tentar ajudar o curioso pimpolho.
Vi tratar-se de certos desenhos em que aparece um ou outro detalhe, e entre eles linhas pontilhas. Em baixo da gravura estava a indicação: “Ligue os pontos”. Explicado isso, ele tomou um lápis e foi ligando os pontos. O resultado o deixou maravilhado e os detalhes que ele vira, ganharam sentido.
Lembrei-me deste fato ao ler o esclarecedor artigo de um Padre arauto, Pe. Antonio Guerra, que transcrevo a seguir.
VISTA DE PÁSSARO
Pe. Antonio Guerra, EP
Certo tempo atrás, recebi de um amigo o convite para assistir a um documentário em vídeo, uma coletânea de filmagens aéreas de algumas regiões da Europa. Seu diretor teve o bom gosto de não fazer muitos comentários, limitando-se a dar breves informações, apenas o necessário para o espectador poder localizar-se.
O filme intitulava-se em espanhol, se não me engano, “A vista de pájaro”, ou seja, “Vista de pássaro”. Sugestivo e até poético nome, evocando como seria uma região contemplada das alturas, pelos olhos de um pássaro.
No conjunto, era uma obra muito feliz. Em determinado momento, a câmara perfazia uma volta completa em torno das evocativas ruínas de uma multissecular abadia, emoldurada por simpáticas plantações de um verde vivo e impecável. Noutro trecho, um prestigioso casarão guarnecido por ciprestes, emergia como ilha em meio a bruma misteriosa de uma manhã de outono.
Dos amigos que comigo assistiam à projeção, alguns nasceram no Continente Europeu e outros lá viveram considerável tempo. Assim, volta e meia alguém reconhecia uma região pela qual já tinha passado, e as sumárias explicações do filme eram completadas pelos comentários do pequeno grupo de assistentes.
Curiosamente, muitas observações manifestavam uma surpresa: “Oh,mas aquela vila? Como é bonita vista de cima!” Ou: “Eu pensei que conhecia tão bem esta cidade… mas, olhada do alto, ela parece outra, toma outra dimensão!”
Com efeito, a realidade considerada com “vista de pássaro” é quasesempre maravilhosa e sublime; e com “vista de homem”, apresenta-se frequentemente prejudicada por uma das fraquezas humanas, que é a de aferrar-se com facilidade aos pormenores. E isso, na maioria das vezes, mais distorce a realidade do que ajuda a melhor entendê-la.
Em termos corriqueiros, isso se chamaria de “vistas curtas” ou, se quiserem, mediocridade. E é uma das grandes fontes de atrito entre os homens,quando cada um, atento só ao exíguo espaço que consegue — ou quer — ver diante de si, não compreende o procedimento do outro, mesmo estando a pouca distância.
Poderia ser mencionado um sem número de malefícios que decorrem dessas perspectivas acanhadas. Basta, aqui, lembrar um: as “vistas curtas” não raro são relacionadas com uma visão meramente material das coisas, sem considerar a realidade sobrenatural que está acima de tudo quanto vemos em torno de nós.
Deus criou o universo como um grande e admirável conjunto para glorificá-Lo. Nele, nada existe sem ter uma razão de ser. Quando disso nos olvidamos, corremos o grave risco de esquecer a finalidade da Criação. É esse o primeiro passo para nos esquecermos do Criador.
O hipotético pássaro do documentário observava das alturas o panorama, no qual as centenas de pequenos componentes formavam um conjunto encantador e maravilhoso. Também nós, homens, se nos esforçarmos por analisar tudo de um alto ponto de observação— ou seja, sobrenatural — poderemos perceber que até mesmo as coisas mais comuns e corriqueiras tomam importância. Pois, para quem tem fé, nada é insignificante.
Então, não seria salutar, além de mais virtuoso, buscarmos sempre a “vista de pássaro”, ao invés de nos contentarmos e acomodarmos coma prosaica e habitual “vista de homem”?
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(Transcrito, com pequenas adaptações, da revista “Arautos do Evangelho”, nº 63, março de 2007, p. 50-51. Para acessar o exemplar do corrente mês clique aqui )
Ilustrações: Arautos do Evangelho, Photogram, Wiki