ASAS BRANCAS
Eu tinha umas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Que, em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
Eram brancas, brancas, brancas,
Como as do anjo que mas deu:
Eu inocente como elas,
Por isso voava ao céu.
Veio a cobiça da terra,
Vinha para me tentar;
Por seus montes de tesouros
Minhas asas não quis dar.
Veio a ambição, co.as grandezas,
Vinham para mas cortar,
Davam-me poder e glória;
Por nenhum preço as quis dar.
Porque as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Em me eu cansando da terra,
Batia-as, voava ao céu.
Mas uma noite sem lua
Que eu contemplava as estrelas,
E já suspenso da terra,
Ia voar para elas,
Deixei descair os olhos
Do céu alto e das estrelas…
Vi entre a névoa da terra,
Outra luz mais bela que elas.
E as minhas asas brancas,
Asas que um anjo me deu,
Para a terra me pesavam,
Já não se erguiam ao céu.
Cegou-me essa luz funesta
De enfeitiçados amores…
Fatal amor, negra hora
Foi aquela hora de dores!
Tudo perdi nessa hora
Que provei nos seus amores
O doce fel do deleite,
O acre prazer das dores.
E as minhas asas brancas, asas
que um anjo me deu,
Pena a pena me caíram…
Nunca mais voei ao céu.
A poesia acima — de Almeida Garret, poeta português do século XIX — com expressivas imagens simbólicas descreve a beleza do estado de inocência, os encantamentos mentirosos do mundo, a falsa felicidade do pecado, as tentações e, por fim, a perda da inocência.
O drama descrito tão belamente, não atinge só a ele. É a história de tantas e tantas outras pessoas que conservam, no fundo da alma, saudades daquela felicidade perdida.
O drama da perda da inocência
Ele, como muitos outros — inclusive nós —, teve na vida momentos em que a graça divina nos visitou de forma mais sensível; parecia estarmos mais perto do Céu. Nessas horas, a alma realmente tem asas, e voa para Deus com toda a facilidade.
Mas vêm as provas e aqui nesta terra, não há quem não tenha de enfrentar tentações:Veio a cobiça da terra
As duas primeiras provas
A umas tenta aguçando o desejo de riquezas, que permitem o gozo desenfreado da vida. A outras, oferece as grandezas do mundo, a fama, as honras, o prestígio…
A alma resiste:Veio a ambição, co’as grandezas, /Vinham para mas cortar,/Davam-me poder e glória; / Por nenhum preço as quis dar…
A Terceira…
Resistiu aos dois primeiros embates.
Mas uma noite sem lua… Nossa Senhora é simbolizada pela lua. Terá diminuído nele a devoção a Maria? E quando isso ocorre se faz noite na alma. Talvez tenha ele confiado excessivamente em si próprio; afinal, não tinha ele resistido já a duas provas?
Quando deixamos de contemplar as coisas do céu, e nos voltamos para os bens materiais, o espírito das trevas apresenta o pecado com um atrativo fascinante. E só é possível resistir com o auxílio da graça que nos vem por meio de Maria, pela oração.
Não rezou, achando que suas forças bastavam. Por isso cedeu; a atração para o mal lhe pareceu irresistível:E as minhas asas brancas / para a terra me pesavam/ já não se erguiam ao Céu.
No momento da tentação, o pecado parece atraente, mas, depois de cometido, a alma sente a frustração e a amargura de ter perdido a felicidade interior:Tudo perdi nessa hora
Face a tentação desespero, confiança!
Após a queda, o espírito do mal procura induzir a alma ao desespero, fazendo-lhe crer que nunca mais será possível recuperar aquela felicidade interior.
Para o católico, contudo, abre-se a via do perdão e da misericórdia. Um coração contrito e humilhado atrai da Providência divina as graças que restaurem a inocência perdida.
O que mais fere o Coração de Jesus é não procurarem o perdão depois de terem cometido uma falta: “Não julguem que já não há remédio para elas e que nunca mais serão amadas como o foram outrora! Não, pobres almas, não são estes os sentimentos de um Deus que derramou todo o seu sangue por vós!” (*)
Confiança, pois!
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(Condensado de “Asas Brancas”, José António Dominguez, na revista Arautos do Evangelho, nº 16, abril de 2003, p.40-42.)
(*)Mons. João Scognamiglio Clá Dias, Sagrado Coração de Jesus – Tesouro de bondade e de amor, ACNSF, São Paulo, 2003, p.7, citando Soror Josefa Menendez, Apelo ao amor, Ed. Santa Maria, Rio de Janeiro, passim.