O panorama

O panorama era magnífico, especialmente na plácida luz matutina. O entusiasmo do humilde colono, a sua narração de pitorescos detalhes concorria para tornar a vista ainda mais agradável.

Era um desses panoramas do interior brasileiro, cuja amplitude parece falar de um grande porvir.

— Aquela plantação linda, ali, é de tal fazendeiro. Aquela casa confortável lá, é do meu patrão, muito boa pessoa. Mais para lá, o senhor vê o castelinho de um juiz aposentado; deu duro a vida toda e agora tem um lugar acolhedor para sua velhice. Ele é muito caridoso; o senhor precisa ver o cuidado dele com os pobres. Moço, não há quem vá pedir ajuda e saia de mãos vazias. Melhor ainda são os conselhos que ele dá.

— Aquela cascatinha lá mais longe… — perguntei.

— Fica no sitio do Sr. Fulano. Ele aproveitou para colocar um aparelho que roda com a água e dá energia para aquelas casas um pouco mais abaixo.

Arrisquei:

— Mas… e você, o que tem aqui.

— Uai! Eu tenho o panorama!

Pitoresca resposta, reveladora da riqueza espiritual possuída pelo lavrador com que conversava.

Saí pensativo, considerando mais simpático o homem do que o belo panorama.

* * *

Tudo isso voltou à memória ao percorrer as leituras que a Igreja propõe na Liturgia das Horas para o dia de São Leão Magno, Papa.

Essas leituras esclarecem muito pelo menos duas frases ditas pelos lábios divinos de Jesus: “ Pobres vós tereis sempre convosco”(Mt 26,11) e “Bem-aventurados os pobres em espírito porque deles é o reino dos céus (Mt 5,3).

As leituras são tiradas de sermões do próprio São Leão Magno, o Papa que enfrentou e fez retroceder o temível Átila, impedindo que este devastasse Roma espalhando o terror e a fome.

O texto é escrito no estilo da época — século V. Apenas colocamos na forma de expressão atual. O texto em linguagem antiga e original pode ser encontrado facilmente nas edições recentes da Liturgia das Horas (*)

“Ficaria ambíguo saber a que pobres Jesus se referia, se dissesse apenas:Bem-aventurados os pobres, sem acrescentar a espécie de pobres. [Se não especificasse] pareceria bastar a simples indigência material para possuir o reino dos céus.

Dizendo porém: Bem-aventurados os pobres em espírito, mostra que o reino dos céus será dado àqueles que mais se recomendam pela humildade do coração do que pela falta de riquezas.

Não há dúvida de que os pobres alcançam mais facilmente que os ricos o bem da humildade; estes, nas riquezas, [tendem] à altivez. Contudo em muitos ricos encontra-se a disposição de empregar sua abundância não para se inchar de soberba, mas para realizar obras de caridade; e assim eles têm grande lucro [espiritual] em tudo quanto gastam para aliviar a miséria dos pobres de bens materiais.

A todo gênero e classe de pessoas é dado ter parte nesta virtude [de ser pobre de espírito]. Não importa quanto sejam diferentes nos bens terrenos, se são idênticos nos bens espirituais. Feliz então a pobreza daquele que não se prende ao amor das coisas transitórias, mas anseia por enriquecer-se com os tesouros celestes”.

Precisão oportuna nos dá o Papa São Leão Magno, pois do contrário muitos se sentiriam indevidamente excluídos do Reino dos Céus, pois sabem que o amor do Divino Mestre não é excludente e sim acolhedor, abrangente.

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(*) Liturgia das Horas, publicação conjunta sob a coordenação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, conforme aprovação da Congregação do Culto Divino, Vaticano, 1999.

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