ESCÂNDALO

Creio — nos dias de hoje, sem muita certeza… — ser difícil haver um brasileiro de cultura mediana que desconheça os versos a seguir.

Em todo caso faço um teste: você internauta, conhece?

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;

Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

São de Casimiro de Abreu e exprimem a saudade da época em que “respira a alma a inocência”, se “rezava às Ave-Marias, se adormecia sorrindo e despertava a cantar”.

Não tem também você saudades deste tempo? Não tens saudades daquela criança que um dia você foi?

De crianças assim que Jesus disse: “Deixai vir a Mim os pequeninos”.

É sobre essa inocência e sobre o mal que se comete ao prejudicá-la que trata o trecho a seguir, de autoria do Mons. João Clá Dias, Fundador e Superior geral dos Arautos do Evangelho. (1)

AI DE QUEM ESCANDALIZAR!

 

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

O magnífico Museu do Prado, em Madri, recebe diariamente milhares de visitantes que percorrem suas extensas galerias, desejosos de admirar o incomparável acervo de obras-primas dos maiores artistas da História.

Há muitos anos, um homem que lá entrara despercebido em meio à multidão foi retirado pouco depois, algemado, por policiais. Seja por desequilíbrio mental, seja por maldade, em certo momento de descuido dos funcionários do museu, ele jogou um líquido negro sobre o famoso retrato equestre do Imperador Carlos V, pintado por Ticiano. O crime chocou a opinião pública. Por um gesto estúpido, ficara seriamente danificado o célebre quadro.

“Deixai vir a Mim os pequeninos”

O HOMEM, IMAGEM DO SUPREMO REI E CELESTE PINTOR

 

Ora, se grave é estragar uma obra artística desse quilate, quem leva outros a pecar faz muito pior: estraga não uma valiosa pintura, mas uma alma, espiritual e imortal, da qual é expulsa a luz da graça. E a imagem assim conspurcada não representa um monarca desta Terra, mas o Supremo Rei e Celeste Pintor, autor de todos os predicados destruídos pelo pecado.

Sobre as sérias consequências de [semelhante] ato nos advertirá o Divino Redentor: “Se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço”.

Tendo tratado [em trecho anterior] da recompensa à boa acolhida dada a um pequenino, analisa agora o oposto: o castigo para quem desedificar ou prejudicar um inocente.

QUEM SÃO OS PEQUENINOS?

 

Ao falar em pequeninos, Nosso Senhor não está Se referindo apenas às crianças, mas a todos quantos não têm forças suficientes para se manterem por si mesmos na prática da virtude, precisando para isso do apoio de outros, sobretudo no tocante ao seu instinto de sociabilidade.

Especialmente merecedor desse auxílio é quem conserva a sua inocência batismal. Este tem a alma constantemente aberta ao sobrenatural, pois, como explica São João Crisóstomo: “O menino está limpo de inveja, de vanglória e da ambição de ocupar os primeiros postos. Ele possui a maior das virtudes: simplicidade, sinceridade, humildade. […]O menino está isento de orgulho, de ambição da glória, de inveja, de obstinação e de todas as paixões semelhantes”. (2)

“Melhor seria que fosse jogado ao mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço”

A REPULSA DE JESUS POR QUEM ATENTA CONTRA A INOCÊNCIA

 

Muito Se compraz Deus com essa retidão de alma própria ao inocente. Por isso quem induz ao pecado “um destes pequeninos” causa-Lhe um tal repúdio que se torna réu desta terrível condenação: era preferível ser lançado ao mar! Nosso Senhor utiliza esta severa imagem por ser inteiramente familiar aos seus ouvintes, conforme comenta São Jerônimo: “Fala segundo o costume da região, porque esta foi entre os antigos judeus a pena para os maiores crimes: lançar na água o criminoso com uma pedra atada ao pescoço”. (3)

Nos lábios de um outro, esta afirmação poderia parecer exagerada, mas quem a faz é o Filho de Deus! E São João Crisóstomo assinala um detalhe: para quem escandalizar uma criança, disse Cristo, “melhor seria” ser atirado ao mar com uma pedra amarrada ao pescoço; ou seja, “dá a entender com isto que o espera um castigo mais grave do que este”. (4)

Vitral – Jesus e as crianças

Pela indignação de Nosso Senhor diante do escândalo, bem se pode medir o estreito vínculo d’Ele com os inocentes!

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(1) Trechos do artigo do mesmo título, publicado na revista “Arautos do Evangelho”, nº 129, de setembro de 2012, p. 10-17. Para acessar o exemplar do corrente mês clique aqui)

(2) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO. Homilía sobre San Mateo, 58, 2. In: Obras de San Juan Crisóstomo. Madrid: BAC, 1956, p.222-223.

(3) SÃO JERÔNIMO, op. cit., p.243, 245. Commentarii in Mathæum I,10. In: Obras Completas. Madrid: BAC, 2002, v.II, p.107.

(4) SÃO JOÃO CRISÓSTOMO, op. cit., 58, 3, p.225.

 

Ilustrações:Arautos do Evangelho, Gaudium Press, Gustavo Krajl, Sérgio Holmann

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