MARTA ou MARIA?

Observando um movimentado “calçadão” no centro da cidade, dei-me conta de uma realidade — talvez triste realidade: cada pessoa era um isolado em meio à multidão. Somava assim duas situações que, mal vividas, podem não ser benfazejas: o excesso de companhia e a solidão mal aproveitável.

Quantos ali gostariam de ter uma boa companhia? Ou estarem sós, pensando ou admirando algo diferente do banal de todos os dias?

Ocorreu-me então a ideia de transcrever observações do Mons. João Clá Dias, fundador dos Arautos do Evangelho, a propósito de uma situação análoga e muito esclarecedora que tem como tema a santa que a Igreja comemora hoje: Santa Marta, irmã de Lázaro —o ressuscitado por Jesus — e sua irmã Maria Madalena.

ALMAS “MARTA” E ALMAS “MARIA”

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

Jesus dirigia-se a Jerusalém e aproveitou o ensejo para fazer uma visita à família de Lázaro, Marta e Maria, unida a Ele por estreita amizade. A moradia deles em Betânia era um lugar aprazível e recolhido, próprio ao repouso de Nosso Senhor. Bem podemos imaginar a felicidade dessa família ao receber o Divino Hóspede, dispensando-Lhe os melhores cuidados.

A Maria só interessava o Divino Mestre

Após os calorosos cumprimentos, Maria logo se pôs aos pés de Jesus, haurindo com amorosa admiração os divinos ensinamentos. Ali estava o Homem a cuja palavra as tempestades obedeciam; que ameaçava os ventos, e eles amainavam; olhava para os mares encapelados, e eles se aquietavam; dava ordem à lepra, e ela desaparecia; tocava nos ouvidos de um surdo e este ficava curado…

Enlevada com o Divino Mestre, Maria por nada mais se interessava. Deixando de lado qualquer outra preocupação — inclusive aquelas referentes ao atendimento do Senhor — permanece ela junto a Jesus, de olhos fixos n’Ele.

Marta afana-se para dar ao Mestre uma recepção à altura

Santa Maria Madalena

Correspondia a Marta, como irmã mais velha, fazer as honras da casa. De muito boa educação, queria proporcionar ótima acolhida ao Divino Mestre. Por isso, não deixava aos empregados a função de atendê-Lo. Além do mais, segundo as boas normas vigentes na época, uma visita de categoria deveria ser servida pelos próprios anfitriões.

Estava servindo só a Jesus, ou também a si própria?

Empenhada em servir Nosso Senhor da melhor maneira possível, talvez Marta tencionasse fazê-lo também para manter o grande prestígio da casa. Por isso se perturbava, tomada por preocupações que não condiziam inteiramente com o amor a Deus: estava em questão o nome da família. E quando Deus não está no centro das nossas considerações, a agitação se estabelece com facilidade.

Santa Marta

Não nos esqueçamos de que o valor sobrenatural de toda ação depende da intenção com que ela é praticada. E qual era, nesse caso, o objetivo de Marta? Na medida em que procurava não prejudicar a própria fama, não estava servindo a Nosso Senhor, mas a si própria. Preocupava-se, então, com os bens terrenos, não com os da eternidade. Servia, assim, mais com as mãos do que com o coração.

Essa psicologia pragmática e naturalista de Marta é muito mais comum do que se poderia imaginar. Queria ela agradar a Nosso Senhor, mas com a atenção dividida, voltada em parte para o que é do mundo. Talvez até desejasse chamar a atenção sobre si mesma, esperando receber um elogio por sua presteza.

Sentindo falta de outros braços com os quais dividir o encargo, Marta “aproximou-se de Jesus e disse: ‘Senhor, não Te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo serviço? Manda que ela me venha ajudar!

O Senhor, porém lhe respondeu: Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”. (Lc 10, 41-42)

“Maria escolheu a melhor parte”, afirma Jesus admoestando Marta. Por suma delicadeza, não formulou a consequência, a qual, no entanto, era inquestionável: coube a ela, portanto, a parte menos elevada…

“Martas” e “Marias” de todos os tempos

Nas pessoas de Marta e Maria, deixou o Divino Mestre uma lição para toda a humanidade.

Contemplação e ação não são realidades excludentes. A perfeição está na junção entre ambas. Comenta Fillion: “Embora a parte de Maria tenha algo de mais celestial, o melhor, nas situações ordinárias, é unir a condição de Marta com a de Maria”. (1)

Podemos também nós dar muita glória a Deus nos atos concretos do dia a dia, desde que os realizemos com a atenção posta nas coisas celestes, e não apenas nas terrenas. Assim fez Cristo Jesus durante Sua vida pública: ocupadíssima, intensíssima, entretanto, sempre impregnada de oração e contemplação.

Atendendo ao convite que nos é feito neste trecho do Evangelho, façamos os esforços necessários para elevar ao Céu as nossas vistas deformadas pelo espírito naturalista, porque, no umbral da eternidade, as coisas concretas nos serão tiradas. Nossa fé se transformará em visão de Deus, face a face; nossa esperança, em posse definitiva do Sumo Bem; e a caridade atingirá sua plenitude.

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(*) FILLION, Louis-Claude. Vida de Nuestro Señor Jesucristo. Madrid: RIALP, s/d., v.II, p.336.

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(Adaptação de trechos do artigo “O amor imperfeito de Maria e a preocupação naturalista de Marta” do Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP, na revista “Arautos do Evangelho”, nº 103, de julho de 2010, p. 10-17. Para ver o número recente da revista Clique aqui)

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