Às vezes ouve-se de cá ou de lá alguém que não compreende bem porque a devoção a Nossa Senhora é necessária para o comum das pessoas. Por vezes chegam a achar que a devoção a Ela nos afastaria de Jesus. O que diz sobre isso o Evangelho, a Igreja e os Santos?
Nos quatro Evangelhos encontramos Maria Santíssima a cada passo, e sempre sua união a Jesus sendo ressaltada. Extravasaria de muito o tamanho de um post querermos citar todos os trechos; vejamos apenas alguns. Se alguém quiser buscar todos trechos, verá que são no mesmo sentido.
De Maria, os Evangelhos registram apenas seis frases; destas:
●três são dirigidas a Deus (a perda e encontro do Menino Jesus no Templo, o cântico — Magnificat —na visita a Santa Isabel, e o pedido a Jesus nas bodas de Caná),
● duas ao anjo, na Anunciação,
● apenas uma aos homens.
Qual foi essa única palavra de Nossa Senhora para nós? “Fazei tudo que Ele vos disser”, nas bodas de Caná. A única frase d’Ela para nós é que sigamos a Jesus; poderia haver uma frase mais cristocêntrica do que essa?
Ela foi o caminho escolhido por Deus para vir a nós e deve ser o caminho pelo qual cheguemos a Ele.
Jesus quis depender de Maria Santíssima na sua geração, no seu nascimento, na sua infância: “Foi Ela quem o amamentou, nutriu, sustentou, criou e sacrificou por nós” (1). Jesus dedicou trinta anos ao convívio com sua Mãe Santíssima, destinando apenas três para sua missão pública. Pouco antes de expirar na Cruz, nos deu a Ela por Mãe, na pessoa de São João Evangelista (Jo 19, 27).
Nas bodas de Caná, Maria obtém de Jesus o seu primeiro milagre antes da hora, como Ele mesmo afirma: “Ainda não é chegada minha hora” (Jo 2, 4).
Até a vinda do Espírito Santo, em Pentecostes, os Apóstolos estavam receosos, amedrontados mesmo, para cumprir o mandato de Jesus: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações” . Só depois de receberem o Espírito Santo saem destemidamente para evangelizar. Ao receber o Espírito Santo, estavam reunidos em torno de Maria no Cenáculo.
Os mais antigos Doutores ou memorialistas da Igreja, alguns dos quais conheceram pessoalmente Nossa Senhora. Devido ao politeísmo muito generalizado, acentuaram a figura divina de Jesus, mas não deixam de referir-se a Ela. “São Dionísio o Areopagita o confirma numa página que nos deixou e em que diz que, quando a viu, tê-la-ia tomado por uma divindade, tal o encanto que emanava de sua pessoa de beleza incomparável, se a fé, em que estava bem confirmado, não lhe ensinasse o contrário” (2).
No século IV a Igreja declarou o dogma da maternidade divina de Maria, — Mãe de Deus — definindo a participação relativa de Maria no plano da união hipostática, o mais alto grau de toda a ordem da criação (3).
Com o passar dos anos, teólogos, Santos e Papas foram explicitando o tesouro de graças e dons dados por Deus a Nossa Senhora. Para não nos alongarmos em citações, basta ver na arte gótica, na Idade Média, como o papel de Maria era algo universalmente exaltado. Ela está presente nas imagens, nos vitrais, nas iluminuras, etc, em toda a Cristandade.
O número de escritos sobre Nossa Senhora, desde os mais remotos tempos é literalmente incalculável. Recentemente, estudiosos qualificados afirmam que, agora, em pleno século XXI, anualmente são publicados 2.000 livros sobre Maria Santíssima. Ela é como um tesouro repleto de pedras preciosas finamente lapidadas: cada vez que se olha alguma faceta de uma das pedras, surgem novas maravilhas.
Os documentos dos Papas sobre Ela são inúmeros: Encíclicas, Exortações apostólicas, Mensagens, Homilias, Discursos, etc. Vários dos Papas definiram dogmas sobre Nossa Senhora: por exemplo o Beato Pio IX proclamou o da Imaculada Conceição e Pio XII, em 1950, proclamou a Assunção de Maria.
Vejamos o exemplo recente de um Papa referindo-se a Nossa Senhora e mais especialmente ao tema central deste post: a devoção a Nossa Senhora nos encaminha para Jesus; é uma devoção eminentemente cristocêntrica.
Ouçamos algumas palavras do Papa João Paulo II: “Quando eu, como seminarista clandestino, trabalhava na fábrica Solvay, de Cracóvia, o meu diretor espiritual aconselhou-me a meditar sobre o Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. Li e reli muitas vezes, e com grande proveito espiritual, este precioso livrinho ascético de capa azul que se tinha manchado de soda.
Ao situar a Mãe de Cristo em relação ao mistério trinitário, [São Luís Grignion de] Montfort ajudou-me a entender que a Virgem pertence ao plano da salvação por vontade do Pai, como Mãe do Verbo encarnado, por Ela concebido por obra do Espírito Santo. Toda a intervenção de Maria na obra da regeneração dos fiéis não se põe em competição com Cristo, mas d’Ele deriva e está a seu serviço. A ação que Maria realiza no plano da salvação é sempre cristocêntrica, isto é, faz diretamente referência a uma mediação que acontece em Cristo. Compreendi, então, que não podia excluir da minha vida a Mãe do Senhor, sem desatender a vontade de Deus-Trindade, que ‘quis iniciar e realizar’ os grandes mistérios da história da salvação com a colaboração responsável e fiel da humilde Serva de Nazaré (4).
Como se sabe, no meu brasão episcopal (…) o lema “Totus tuus” está inspirado na doutrina de São Luís Maria Grignion de Montfort. Estas duas palavras exprimem a pertença total a Jesus por meio de Maria: “Tuus totus ego sum, et omnia mea tua sunt”, escreve São Luís Maria; e traduz: “Eu sou todo teu, e tudo o que é meu te pertence, meu amável Jesus, por meio de Maria, tua Santa Mãe” (Tratado sobre a verdadeira devoção, 233) (5).
A quantidade de Santos que tratam da devoção a Nossa Senhora é incalculável. Para ser mais preciso, é difícil haver um Santo que não tenha tratado do tema, muitos deles longa e profundamente. Há entretanto um Santo tido como Santo mariano por excelência: São Luís Maria Grignion de Montfort.
São Luís Grignion tem várias obras sobre Nossa Senhora e a devoção a ela. Uma dessas obras, entretanto, refulge como a mais bela pedra preciosa na coroa de Maria: é o Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem.
Já na Introdução, ele enuncia a tese que norteia todo o seu livro: “Foi por intermédio da Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por meio d’Ela que Ele deve reinar no mundo” (6). Assim, Cristo Jesus quer reinar sobre os corações por intermédio de Maria Santíssima.
São Luís Grignion afirma: “Se a devoção à Santíssima Virgem nos afastasse de Jesus Cristo, seria preciso rejeitá-la como uma ilusão do demônio. Mas é tão o contrário, que, como já fiz ver e farei ver, ainda, nas páginas seguintes, esta devoção só nos é necessária para encontrar Jesus Cristo, amá-lo ternamente e fielmente servi-lo” (7).
E ainda: “Maria está tão intimamente unida a Vós, que mais fácil seria separar o sol da luz, e do fogo o calor; digo mais: com mais facilidade se separariam de Vós os anjos e os santos, que a divina Mãe, pois que Ela Vos ama com mais ardor e Vos glorifica com mais perfeição que todas as Vossas outras criaturas juntas” (8).
Alguém objetaria: “Não seria melhor ir direto a Jesus?”
Não foi o que Ele fez para vir a nós. Para vir, Deus serviu-se de Maria como caminho. Haveria um caminho melhor para chegar a Ele do que o escolhido por Ele? A esse respeito diz São Luís Grignion: a devoção a Nossa Senhora é “um meio seguro e sem ilusão, um caminho curto e sem perigo, uma via imaculada e sem imperfeição, e um segredo maravilhoso para chegar a Vós [Jesus] e vos amar perfeitamente” (9).
Os Arautos do Evangelho, em consonância com a Igreja, querem levar a devoção a Nossa Senhora ao maior auge que a natureza e a graça permita, consagrando-se a Jesus Cristo pelas mãos de Maria e creem que a difusão da devoção à Mãe de Deus é o melhor meio de conquistar as almas para Jesus Cristo, com a solidez, o calor e a urgência que a situação de nossos dias exige.
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(1) São Luís Grignion de Montfort, “Tratado da verdadeira devoção à Santissima Virgem”, Ed. Vozes, Petrópolis, 42ª Edição, nº 18, p. 29.
(2) Idem, nº 49, p. 53.
(3)Cf. Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP. Artigo “Elevado a alturas inimagináveis”, revista “Arautos do Evangelho, nº147, março de 2014, p. 11.
(4) Papa João Paulo II, Discurso no 8º Colóquio Internacional de Mariologia, 13/10/2000. Esse e outros documentos dos Papas podem ser acessados no site oficial da Santa Sé, www.vatican.va .
(5) (cf. Papa João Paulo II, “Dom e mistério”, págs. 38-39; Encíclica Rosarium Virginis Mariae, 15, em www.vatican.va .
(6) São Luís Maria Grinion de Montfort, “Tratado…”, citado na nota (1), nº 1, p.19.
(7) Idem, nº 62, p. 66.
(8) Idem, nº 63, p. 67.
(9) Idem, nº 64, pp. 68-69.